21 de jul. de 2018

Em defesa da neolinguagem

Chamada às vezes de linguagem neutra ou mesmo "linguagem não-binária", a neolinguagem é uma proposta que envolve mudanças na estrutura da nossa língua. Não é um tópico exclusivamente não-binário, pois também pode ser do interesse de outras pessoas que queiram uma neutralidade sem o uso do masculino (pode ser o caso de correntes feministas).

Não é recente que pessoas tenham questionado a estruturação da língua, que coloca a qualidade masculina como dominante. Dois homens são eles, duas mulheres são elas, um homem e uma mulher são eles; assim aprendemos desde sempre.

Apesar do questionamento, as pessoas não tiveram a coragem de desafiar o próprio idioma. Não é incomum encontrar tutoriais ou dicas de como se falar da forma mais neutra possível dentro das normas. Acho válido e recomendo muito esse recurso, que utilizo junto com a neolinguagem.

Foi então que começou pelas redes sociais o uso do X que, contudo e apesar de tudo, foi o início de algo. O uso de X não é bem aceito pela falta de uma sonoridade evidente (podem pronunciar como mudo ou e/i) e por não ser lido por dispositivos para pessoas cegas (um problema que seria resolvido se fossem configurados para ler X de algum jeito...).

Com isso surgiram novas propostas, sistemas de neolinguagem criados tanto para neutralizar a língua de uma nova forma, quanto incluir mais pronomes além de ele e ela.

O maior objetivo da língua é a comunicação. Se as pessoas entendem, é isso o que importa. A neolinguagem é compreensível até para quem está tendo o primeiro contato com ela. Então ela segue o principal objetivo de uma língua. 

Línguas estão em constante mudança. Elas podem variar de país em país e de região em região. Elas tendem a mudar. Se o português não se estruturou para incluir um terceiro gênero gramatical, sem associação com algum gênero específico, isso reflete apenas o pensamento exorsexista que predomina na população (o povo é quem faz a língua). Mas isso pode mudar, afinal, como falado, línguas não são imutáveis.

É injusto exigir que todas as pessoas se adaptem apenas a dois pronomes, apenas a dois tipos de linguagem. Uma língua, algo mutável e feito para comunicação, merece mais respeito que uma pessoa? Quem não se encaixa na norma apenas se conforma? Onde já ouvi esse discurso?

E mais, desafiar normas de linguagem nem se compara a desafiar normas sexuais e de gênero. É contraditório pessoas cis e trans binárias da comunidade não darem chance a neolinguagem, mesmo enfrentando opressões que lhes ameaçam a vida e a integridade.

Particularmente também vejo na neolinguagem a oportunidade de enriquecer ainda mais a língua portuguesa. Até o inglês, que é bem menos complexo, aceita há séculos they (eles/elas) como pronome neutro singular, e agora está se abrindo a novos pronomes. Sinceramente, me surpreende que uma língua tão maravilhosa como a nossa não tenha se aberto a isso.

De novo, a neolinguagem é uma proposta. Ninguém está simplesmente exigindo que todes a usem de um dia pro outro. As pessoas podem ainda escolher seguir as normas. Fica na consciência de cada ume.

Acredito que se a proposta fosse amplamente aceita o desafio seria escolher um sistema bem definido. Precisaríamos organizar isso, pois enquanto eu uso mi como neutro, há pessoas que usam minhe, por exemplo. E outro desafio seria a cunhagem de palavras de conjuntos binários bem específicos, como pai e mãe ou dama e rapaz (o que acho mais complicado).

Sim, as pessoas podem (re)aprender. Alguém nasce sabendo um idioma? É a mesma coisa. E seria um processo mais fácil ainda, pois envolve remodelar o que já foi aprendido.

Essa proposta é uma demanda de um grupo oprimido excluído de um sistema binário de gênero. Não custa tentar. Eu uso neolinguagem desde o começo do ano, tanto no mundo virtual quando no mundo material, e posso dizer que é uma proposta viável. As pessoas me entendem. Acredito que se formos aderindo aos poucos, logo a proposta será reconhecida e poderá ser normalizada.

Espero que esse artigo ajude nessa demanda de alguma forma, visto que há pouquíssimo conteúdo nacional sobre neolinguagem. Essa foi minha defesa dessa proposta.