Um espaço de aprendizagem

Guia pró-neolinguagem de linguagem neutra universal

Este guia tem o objetivo de ser uma referência simples e com terminologia moderna de como usar um conjunto específico (e/elu/e) como linguagem neutra universal. Antes de começar, algumas definições, ainda que a essência do guia possa ser absorvida mesmo sem entender esses detalhes:

Conjunto de linguagem é essencialmente um nome diferente e mais abrangente para gênero linguístico. Enquanto descrições de gêneros linguísticos forçam algum arquétipo relacionado a gênero em suas palavras (exemplo: “linguagem feminina”, “pronome masculino”), expressões de conjuntos de linguagem tendem a ser mais diretas e personalizáveis (exemplos: “meu conjunto é o/ele/o”, “minha linguagem pessoal é a/ila/e ou a/ela/a”). Mais detalhes sobre o que são conjuntos de linguagem e sobre por que essa terminologia existe se encontram neste texto.

Neolinguagem é qualquer “gênero” ou flexão “de gênero” da língua que inclui palavras não propostas pela língua padrão. Tanto o pronome ily quanto o pronome elx quanto o pronome elu fazem parte da neolinguagem; este é um termo guarda-chuva mais abrangente do que apenas linguagem feita para ser neutra, comum ou pronunciável. Mais informações sobre o que é e para que existe neolinguagem se encontram nesta página.

Linguagem neutra, neste guia, se refere ao que uma pessoa usa quando:

  1. Não se sabe o conjunto de linguagem adequado para se referir a alguém;
  2. Há a necessidade de se referir a um conjunto de coisas/seres/palavras que usam conjuntos de linguagem diferentes.

Desta forma, existem pessoas que usam o/ele/o (o “gênero linguístico masculino”) como linguagem neutra, assim como pessoas que usam -/-/- (nenhum conjunto específico/”sintaxe neutra”/”linguagem neutra sem neolinguagem”) como linguagem neutra.

Linguagem neutra universal, neste guia, se refere a conjuntos de linguagem que possam ser usados de forma que:

  1. Não pareçam ser muito associados com algum gênero binário ou apenas com gêneros binários no imaginário coletivo lusófono;
  2. Sejam pronunciáveis e próximos dos conjuntos padrão o suficiente para que possam ser usados de forma acessível e fácil de entender para uma maioria.

Desta forma, conjuntos como @/el@/@, o/elo/o, a/ela/a ou æ/🌈/el não podem ser usados como linguagem neutra universal, enquanto conjuntos como i/ili/i, le/elu/e, -/-/- e -/éli/i podem.


Este guia pretende ensinar a usar o conjunto e/elu/e como linguagem neutra. Isso não significa que esta é a única possibilidade de linguagem neutra universal, mas este é um conjunto comum e relativamente simples na maioria dos casos.

Caso alguém se interesse num texto que fala mais sobre como se usam outros conjuntos, recomendo esta postagem.

Caso alguém queira saber como usar linguagem neutra universal sem usar neolinguagem (-/-/-), recomendo ler este guia.


Artigo, pronome, final de palavra

Por mais que eu não queira focar na questão gramatical, acho importante saber como um conjunto deste tipo funciona. Especialmente quando estou especificando que o conjunto é e/elu/e, ao invés de chamar isso de “sistema elu”, “linguagem neutra com u/e” ou afins.

Um artigo, neste contexto, é o que precede um nome (“a Ana”) ou algo que substitui um nome (“o artista”). É diferente do final de palavra por ser uma palavra por si só.

Assim, usar e como artigo significa usar e ou es no lugar de a/o ou de as/os, respectivamente (como em “e artista” ou “es estudantes”).

Um pronome, neste contexto, é o que substitui um nome (“Isabela é linda → ela é linda”, “isso é do Júlio → isso é dele“).

Assim, usar elu como pronome significa usar elu ao invés de ela/ele, elus ao invés de elas/eles, delu ao invés de dela/dele, aquelu ao invés de aquela/aquele, etc. (“Elu é legal”, “aquilo é delu“, “pensei nelu hoje de manhã”.)

Um final de palavra (ou uma flexão, ou uma terminação), neste contexto, é o que finaliza a maioria das palavras “separadas por gênero” (“bonita“, “alune“, “cansado“).

Assim, usar e como final de palavra significa usar e ao invés de a/o em palavras que são alternadas com base em flexão “de gênero” (“atrasade“, “engenheire“, “noive“).

Existem situações que esses elementos não cobrem, mas vamos lidar com elas depois.


Pensando de forma indeterminada

Estamos, como sociedade eurocêntrica, acostumades a presumir gênero e conjunto de linguagem com base em atributos superficiais de outras pessoas. Porém, gênero não é necessariamente associado com conjunto de linguagem, e nenhuma dessas coisas é óbvia ou visível sem alguma manifestação que explicite esses atributos.

Se você quer usar algum tipo de linguagem neutra universal em seu dia-a-dia, você vai ter que abandonar a ideia de que sabe a linguagem pessoal de todo mundo. Também vai ter que parar de generalizar que certas ações vão sempre ser feitas por alguém que usa certo conjunto de linguagem. Por exemplo:

  • Aquela menina esqueceu do guarda-chuva. → Aquelu menine esqueceu do guarda-chuva.
  • Quem é seu amigo? → Quem é sue amigue?
  • Vou precisar contratar um advogado. → Vou precisar contratar ume advogade.
  • Não tinha nenhuma enfermeira contigo? → Não tinha nenhume enfermeire contigo?

Neutralizando grupos

Na língua portuguesa, se considera que um grupo que contém (ou que provavelmente contém) pessoas que usam conjuntos de linguagem diferentes deve usar o/ele/o (ou, mais especificamente, os/eles/os). Isso também deve ser repensado se você quer usar e/elu/e como linguagem neutra. Por exemplo:

  • Você tem irmãos? → Você tem irmanes?
  • 75% dos professores desta escola aderiram à greve. → 75% des professories desta escola aderiram à greve.
  • Quantos fotógrafos estão participando desta mostra? → Quantes fotógrafes estão participando desta mostra?
  • Acho que eles vão ganhar. → Acho que elus vão ganhar.

Adicionalmente, coisas em uma lista que usam conjuntos de linguagem diferentes também devem ser referidas em conjunto de forma neutra:

  • Acho que sei de todos os problemas e contradições. → Acho que sei de todes es problemas e contradições.
  • Não quer uma banana, morango ou pêssego? → Não quer ume banana, morango ou pêssego?

Sobre as coisas mais complexas

  • Quando se usa e como final de palavra, palavras que terminam com -ga/-go passam a terminar com -gue (como em amigue ou meigue).
  • Quando se usa e como final de palavra, palavras que terminam com -ca/-co passam a terminar com -que (como em médique ou síndique).
  • Quando um final de palavra é ausente quando concordante com o final o e a quando concordante com o final a, o final concordante com e é e (como em ume, trabalhadore, ou zeladore).
  • Tanto su quanto sue são formas aceitáveis de “neutralizar” seu/sua. Escolha a que preferir.
  • Tanto mi quanto minhe são formas aceitáveis de “neutralizar” meu/minha. Escolha a que preferir.
  • Tanto -ãe quanto -ane são formas aceitáveis de “neutralizar” -ã/-ão (como em guardiãe ou irmane), mas muita gente prefere usar -ane por acharem que -ãe remete demais à palavra mãe.
  • Tanto -ies quanto -us são formas aceitáveis de “neutralizar” -as/-es (como em professories ou doutorus). Pessoas que defendem -ies argumentam que faz mais sentido o sufixo concordar com o final de palavra (e) do que com o pronome (elu), e pessoas que defendem -us argumentam que -ies não é muito diferente sonoramente da “versão masculina”.
    • Caso queira seguir a gramática padrão em questões de acentuação, palavras como professories, doutories, trabalhadories e vendedories devem ser acentuadas. Como, novamente, não há padrão, escolha a pronúncia que preferir entre -óries, -ôries, -oriés e -oriês. Recomenda-se escolher uma opção que fique diferenciada de como você pronunciaria palavras terminadas em -ores.
  • Tanto éstie/éssie quanto estu/essu são formas aceitáveis de “neutralizar” esta/essa/este/esse. Os argumentos são os mesmos do item anterior, com a exceção da questão que estas palavras também são pronomes (ainda que de outro tipo), assim como elu, e assim teriam mais motivo para parecer com seu pronome correspondente.
  • A terminação -ie é uma forma aceitável de “neutralizar” -eo/-ea (como em gêmie).
  • Quando se usa e como final de palavra, contrações como da/do e na/no viram de e ne. Mesmo quando você está usando algum artigo diferente de e.
  • Linguagem neutra só se aplica a seres ou grupos; ainda se usa “uma televisão”, “um hábito”, “o grupo” ou “a pessoa”, mesmo ao usar linguagem neutra universal.
  • Linguagem neutra também só se aplica quando há alguma distinção entre quem usa finais de palavra diferentes; ainda se usa artista ao invés de artiste, ativista ao invés de ativiste, etc.
  • Não existem soluções já propostas e vistas como certas para todo mundo para todas as palavras. Na dúvida, você pode inventar algo ou “neutralizar” o termo sem usar neolinguagem. Aqui se encontram algumas propostas para questões não mencionadas: 1, 2, 3, 4, 5

Inspirações: Neolinguagem (Instagram), Neolinguagem (Blogue Alternative), Guia para a Linguagem Oral Não-Binária ou Neutra

Outros materiais sobre linguagem neutra podem ser encontrados aqui. Também há uma lista de links sobre neolinguagem aqui e uma lista sobre conjuntos de linguagem aqui.